António Paes Viegas , um homem dos Manjões e da Restauração de Portugal
A 1 de Dezembro de 2010, Portugal celebra 370 anos da Restauração da Independência. Aproveitamos esta efeméride para traçar uma breve biografia de António Pais Viegas, um dos personagens a quem é atribuída a honra de ter influenciado a decisão de D. João, Duque de Bragança, de aceitar o trono de Portugal:Segundo reza a história a 12 de Outubro de 1640 reuniram no Palácio dos Almadas os conjurados, D. Antão de Almada, António de Saldanha, Jorge de Melo, Francisco de Melo, D. Miguel de Almeida, João Pinto Ribeiro e Pedro de Mendonça, com o fim de operacionalizarem um movimento para pôr termo ao domínio Castelhano. Um dos factores determinantes neste plano seria obter o apoio do Duque de Bragança, designadamente a sua disponibilidade para se tornar rei de Portugal. Com esse objectivo deslocou-se Pedro de Mendonça a Vila Viçosa. Sabe-se que antes de dar a sua resposta o futuro rei D. João IV consultou as duas pessoas que lhe eram mais próximas – sua esposa D. Luísa de Gusmão e o seu secretário e conselheiro António Pais Viegas (1). A resposta da primeira, talvez lendária, é sobejamente conhecida, tendo como versão mais romântica a frase “mais vale ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida”. Relativamente à do segundo, que para alguns terá sido determinante na decisão de D. João, ela foi dada, segundo Rebelo da Silva, nos seguintes termos:“Tendo ouvido o duque, Viegas calou-se por um instante e depois pediu licença para fazer uma pergunta:— No caso de o reino se constituir em república, que partido seguiria Vossa Excelência, o do país ou o dos castelhanos?— Sejam quais forem os acontecimentos — respondeu o duque — hei-de acostar-me ao que seguir o comum do País.— Então… — volveu o secretário — está dada a resposta. Mais vale arriscar tudo para reinar do que arriscar ainda tudo para ficar vassalo. A ocasião é chegada e parece que Deus a trouxe. A maior dificuldade consistia em os outros proporem a empresa, pois seria pouco seguro se a ideia partisse directamente de Vila Viçosa. Os fidalgos estão prontos e só pedem rei. Dê-lho Vossa Excelência, e encomende o mais à Providência.”Ainda que seja uma figura incontornável da Restauração, esclarecemos que a verdadeira razão que nos leva a escrever sobre Pais Viegas é o facto de ele ser um homem da nossa freguesia, facto praticamente desconhecido, pelo que se impõe que o divulguemos.Nasceu em data incerta nos Manjões, lugar da freguesia de Santa Iria da Azóia. Foicavaleiro da Ordem de Cristo, comendador de Santa Maria da Caridade de Évora e alcaide-mor de Barcelos. Serviu como vedor D. Duarte, marquês de Flechilla e tio do futuro rei D. João IV, de quem foi testamenteiro. Terá sido, provavelmente após a morte deste, em 1627, que passa a ser secretário do Duque de Bragança. Foi uma personagem muito respeitada até á sua morte, em 1650, tendo sempre sido ouvido nas grandes questões do reino por D. João IV a quem continuou a servir como secretário.Foi autor de duas obras justificativas da Restauração e editadas em 1641:– Manifesto/ do Reyno de Portugal./ No qual se declara/ o direyto, as causas, & o modo, que teve/ para exemirse da obediencia del Rey de/ Castella, & tomar a voz do Serenissimo/ Dom Joam IV. do nome, &/ XVIII. entre os reys ver-/dadeyros deste Reyno– Principios del Reyno de Portugal: Con la vida y hechos de Don Alfonso Henriquez… Y con los principios de los otros estados christianos de Hespaña…A primeira, de grande divulgação em toda a Europa, teve também uma edição holandesa. Foram obras com um sentido polémico pois pretendiam atacar a argumentação de um autor que se pôs ao serviço da causa espanhola e que nas vésperas de 1640 defendeu os direitos filipinos à coroa de Portugal. Motivaram reacções de adversários que pretenderam diminuir o seu autor e à falta de argumentos contra o seu carácter usaram, curiosamente, as suas origens como forma de desqualificação: “obscuro nombre que solo se le conoce por patria los Manjones, una aldea de doze vezinos todos mecanicos, y de su ascendencia una abuela esclava”.António Pais Viegas escreveu, ainda:– Relaçam dos gloriosos succesos, que as armas de… D. Joam IV… tiveraõ nas terras de Castella, neste anno de 1644– Relação dos successos, que nas fronteiras deste Reyno tiveraõ as armas del Rey Dom Joam o Quarto… com as de Castella, despois da jornada de Montijo, ate fim do anno de 1644. com a victoriosa defensa de Elvas.Apesar de praticamente todas as obras sobre a Restauração se referirem a António Pais Viegas não se conhece nenhum estudo sobre a sua vida e pensamento. As informações biográficas aqui divulgadas tiveram como fonte principal a Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração – Vol. I (Luís Reis Torgal ; BGUC ; 1981). O seu nascimento nos Manjões, perto da Azóia, termo da cidade de Lisboa, aparece em várias obras, incluindo uma do século XVIII, e é confirmado com a argumentação usada pelos seus adversários para o diminuir. Não parece haver, portanto, razões que nos levem a desconfiar da sua veracidade. O mesmo não poderemos dizer relativamente às suas origens genealógicas, uma vez que nos parece difícil conciliar o que refere Torgal, que dá como seus pais Sisenando de Freitas Freire e D. Maria Lacerda, família nobre de Beja (cf. por Nuno Gorjão Henriques / Miguel Gorjão Henriques; Gorjão Henriques_I; Volume I, pp 325-326) e a falta de “nome” alegada pelos seus adversários, que lhe atribuem uma avó escrava. Por outro lado, a acreditar no que refere Gorjão, Sisenando teria nascido por volta de 1610, pelo que não nos parece provável que pudesse ser pai de um homem que em 1627 já era vedor de D. Duarte.Até hoje não foi possível avançar muito mais relativamente à vida deste homem e à sua relação com os Manjões. O património construído de que ainda existe vestígios naquele lugar e a informação documental que temos sobre o existente no século XVIII (livro da décima/ Arquivo do Tribunal de Contas) não indiciam qualquer relação com esta figura da Restauração. Ainda que, ao que tudo indica, a “Quinta Grande” possa estar relacionada com Pedro Vieira da Silva, secretário de Estado de D. João IV (mais tarde bispo de Leiria), não conseguimos estabelecer qualquer outra conexão que não seja a curiosidade de dois homens próximos do rei estarem ligados aos Manjões. Resta-nos vasculhar a documentação da Torre do Tombo, a começar pela capela, que há pouco tempo ficámos a saber que Pais Viegas tinha instituído em 1645 no Convento de S. Francisco de Lisboa, na expectativa de acrescentarmos algo ao que se sabe da vida deste nosso conterrâneo e colocarmos assim mais uma peça no puzzle da história de Santa Iria da Azóia.
(1) Pedro de Mendonça teria solicitado ao Duque de Bragança que ocultasse de Pais Viegas este assunto, o que o rei recusou, alegando não só a sua descrição e prudência como também o facto de o seu secretário há já algum tempo o vir motivando para o que os conjurados desejavam
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